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Setembro de 2016: dez anos da Lei de Segurança de Alimentar e Nutricional

Em 2016, celebramos uma década de aprovação da lei 11.346/2006, a Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), que visa à garantia do direito humano à alimentação adequada e saudável para todos os cidadãos e cidadãs brasileiras. De lá para cá, diferentes cenários configuraram o seu contorno social, com avanços e desafios que buscam qualificar e dar significado às políticas públicas relacionadas a esses temas.

O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), integrado por órgãos e entidades da União, estados, Distrito Federal e dos municípios, além de instituições de direito privado, se organiza dialogando com atores sociais e instâncias políticas em diferentes dimensões da estrutura alimentar. Envolvendo, desde a origem, produção e abastecimento, passando pelos processos de trabalho relacionados à distribuição, comercialização e acesso até chegar no consumo e disponibilidade nutricional, por meio de formas de processamento, manipulação e preparação da comida.

Esta complexa cadeia percorre inúmeras tensões na sua configuração. No atual contexto global, a comida é identificada como mercadoria e os conflitos de interesses passam a ser um aspecto-chave para compreender as dificuldades encontradas para constituir e avançar na alimentação adequada e saudável como um direito humano e social.

Em relação ao conflito de interesse, de acordo com o manifesto de criação da Frente pela Regulação da Relação Público-Privado (disponível em http:// regulacaopublicoprivado.blogspot.com.br/p/manifesto.html), “o setor privado vem atuando de várias formas no sistema alimentar brasileiro: na produção e comercialização de sementes, produtos transgênicos, insumos agrícolas, pesticidas, equipamentos produtivos, indústria farmacêutica (medicamentos para animais e humanos – dentre outros); na utilização do solo para diferentes fins (produção, coleta de água subterrânea); na adição de nutrientes a alimentos (farinhas adicionadas de minerais, sal iodado); na comercialização de refeições (inclusive para o setor público, como no caso da alimentação escolar terceirizada); na produção de fórmulas industriais para pacientes hospitalizados; e na produção, comercialização e estímulo ao consumo de alimentos ultraprocessados. Da forma como vêm sendo predominantemente conduzidas, essas ações comprometem a segurança alimentar e nutricional da população e a soberania alimentar do país, conformando um sistema alimentar pautado em um modelo concentrador de poder e altamente dependente de corporações multi e transnacionais”.

As oito diretrizes da Política e Plano Nacional sinalizam as prioridades e desafios do cenário político da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e delimitam as fronteiras dos conflitos de interesse envolvidos neste tema, tanto do ponto de vista ético quanto político. Os debates sobre alimentação adequada e saudável, abastecimento, agroecologia, agrotóxicos, meio ambiente, saúde coletiva, educação alimentar e nutricional, acesso à água, biodiversidade, transgênicos, biofortificação de alimentos, acesso à terra e populações vulnerabilizadas socialmente, entre outros, são expressões das contradições da construção do Sisan no Brasil.

Apesar da existência de uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a fragilização do marco legal para regulação, controle e redução de agrotóxicos no Brasil se intensifica. E, no modelo agrícola vigente, o agronegócio continua recebendo a maior parte do subsídios públicos destinados à agricultura. Mesmo com a publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira, feita pelo Ministério da Saúde em 2014, com recomendações importantes acerca da segurança e soberania alimentar e nutricional, as práticas de publicidade e marketing avançam ardilosamente na promoção de modos de viver não saudáveis.

Reconhecidamente, a compreensão e inserção política da Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional vêm se ampliando e sensibilizando novos atores. Porém, por tratar-se de um conceito polissêmico, apresenta uma margem de confusão que pode gerar importantes contradições. O interesse de participação da indústria de alimentos na organização de eventos científicos e acadêmicos é um exemplo da ambivalência e risco de conflito de interesse existentes.

A implantação do Sisan precisa se dar de forma articulada ao contexto histórico-político de construção da SAN no país. Não se pode esquecer que o enfrentamento às ameaças políticas para a produção, abastecimento, comercialização e acesso à alimentos saudáveis, sustentáveis, culturalmente referenciados, adequados à saúde e socialmente justos precisa se expressar no contexto das relações políticas e sociais.

Os aspectos preconizados na agenda política da Rede de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) precisam encontrar correspondência nas práticas de escolha, seleção e preparo de alimentos; precisam dialogar com os valores envolvidos na identidade da comida como um patrimônio social e político; precisam criar mecanismos que possibilitem o exercício da soberania alimentar em suas diferentes dimensões: desde a seleção da semente, passando pela oferta e garantindo escolhas que dialoguem com a cultura alimentar dos diferentes grupos étnicos e sociais no Brasil.

As desigualdades inerentes ao sistema econômico e ao processo produtivo, inclusive de alimentos, são fatores determinantes da má alimentação e das desigualdades sociais. Portanto, para que as medidas neste campo possam ser resolutivas, e deixem de ser apenas compensatórias de um problema gerado por um modelo de desenvolvimento excludente, é preciso ter coragem de enfrentar essa questão. O atual momento político é preocupante, pois as estratégias hegemônicas têm se aproximado de modelos neoliberais.

O enfrentamento das desigualdades que demarcam o processo de Insegurança Alimentar e Nutricional impõe mudanças radicais. A potencialidade das proposições da rede de políticas em SAN: Losan/PNSAN/Sisan/Plansan incitam alterações profundas na estrutura política e econômica brasileira. Esse desafio se configura de imensa importância – seja por seu caráter universalista, seja porque pressupõe o alcance de bens públicos, como a sustentabilidade social, econômica e ambiental, o direito humano, os direitos de cidadania, à alimentação adequada e à cultura.

Os princípios da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) expressam a preocupação da universalidade tanto no respeito à diversidade quanto na busca de formas de participação com equidade para os diferentes grupos sociais. E, neste sentido, há muito a celebrar. A agenda afirmativa de direitos sociais garantiu inserção da SAN no campo das políticas públicas brasileiras.

Contudo, a SAN não pode se resumir a um conjunto de políticas setoriais, pois é um eixo orientador de políticas que deve contribuir para que seus objetivos se incorporem no conjunto de políticas públicas nacionais que visem ao desenvolvimento social. Deve se configurar no eixo orientador de um modelo de desenvolvimento social e econômico que busca garantir o bem-estar social acima dos interesses de acumulação de capital.

Urge que a sociedade se aproprie do tema e de seu significado, à luz do conjunto de dimensões envolvidas na sua construção. Pois somente a promoção de uma cultura afirmativa do conjunto dos direitos sociais poderá garantir sua potencialidade como categoria estruturante de um novo modelo social.


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A Rede de Mulheres Negras para Segurança Alimentar e Nutricional tem por missão a articulação com organizações da sociedade civil para propor políticas públicas que garantam o Direito Humano a Alimentação Adequada e a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da população negra e em particular das mulheres negras.

Análise, avaliação e monitoramento dos efeitos das políticas públicas de SSAN para população negra em geral e particularmente no que diz respeito às mulheres negras.

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